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O martírio não está fora de moda

Autor: Robinson Cavalcanti
Fonte: Revista Ultimato
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Não é pessimismo, manipulação ou masoquismo, mas o martírio faz parte do preço a ser pago por confessar a Jesus como Salvador e segui-lo como Senhor. Os apóstolos, milhares de fiéis e as primeiras gerações de bispos foram trucidados pelos leões e gladiadores sob os imperadores romanos. Ao longo dos séculos, prisões, exílio, tortura, execuções e discriminações foram realidades cotidianas, inclusive na expansão missionária. Alguns fraquejaram e abjuraram, mas a maioria permaneceu firme. “O sangue dos mártires é a semente da fé”, já se afirmou. Do século 20, nos resta a memória dos mártires sob as ditaduras do nazismo e do comunismo. Hoje, é grande o número de cristãos perseguidos em vários países. O nacionalismo e o fanatismo religioso em países de religiões não-cristãs oficiais ou oficiosas é um fato crescente: hinduísta, budista e, especialmente, islâmica. Em grande parte do globo, não se conhece o conceito de separação entre religião e Estado, ou de liberdade religiosa. Oficial ou oficiosamente, se vive sob teocracias. Quando muito, se usa o conceito de tolerância religiosa para aqueles que não integram a religião hegemônica, destinados a serem cidadãos de segunda classe ou privados da plenitude dos seus direitos.

No passado, a Igreja também conheceu formas teocráticas opressivas, seja no modelo de cristandade do Sacro Império Germânico-Romano, no Ocidente, com a tutela papal, a Inquisição e as excomunhões, seja no césaro-papismo das Igrejas do Oriente, com a tutela do Estado sobre a Igreja, que hoje, infelizmente, depois da queda do comunismo, é revivida em alguns países. Um terceiro modelo foram os Estados nacionais com religião oficial — católica ou protestante — consolidados no Ocidente a partir da Idade Moderna, com perseguição de cristãos contra cristãos. Consideramos que a teocracia de Israel foi algo específico, especialmente pelo sistema de restrições mútuas entre reis, sacerdotes e profetas, e é algo encerrado com a Primeira Aliança, conquanto que o Estado de Israel (que nada tem a ver com o Israel bíblico) seja um espaço de restrições à liberdade religiosa. Cremos que a Providência Divina, bem como o pensamento e a ação dos setores mais lúcidos da Igreja, são em muito responsáveis pela consolidação do Estado laico, pela separação entre Igreja e Estado e pelo direito constitucional de liberdade religiosa. Foi com o fim do Estado Confessional da Colônia e do Império, e com o Estado laico da Constituição Federal de 1889 que nós protestantes (e as outras minorias religiosas) adquirimos cidadania plena no Brasil.

O Estado laico está hoje sendo deformado em seu entendimento pela ideologia do secularismo — parte da cultura pós-moderna —, que começa, concretamente, a ser fonte de perseguição à Igreja no Ocidente ex-cristão. O Estado laico deve ser uma realidade constitucional de não-religião oficial, de igualdade perante a lei, de liberdades civis, que não atentem “contra a ordem pública e os bons costumes”. Isso não quer dizer que as instituições religiosas não possam ter o seu papel político e cultural, ou que os fiéis, como cidadãos individuais e em entidades não-governamentais, não possam expressar o seu pensamento e tomar decisões a partir da sua fé e da sua reflexão teológica, especialmente no campo dos valores, em que a busca do bem comum transcende o espaço de cada um. O Estado secularista (mesmo que use a terminologia de “laico”) é um fato novo preocupante. Há uma hostilidade contra as religiões organizadas, notadamente as monoteístas de revelação, em particular o cristianismo. A fé é entendida como algo radicalmente individual e subjetivo, e as religiões são confinadas à esfera privada, proibidas de opinar ou de agir na esfera pública de modo coerente com seu conteúdo. É um humanismo centrado na autonomia e no orgulho do ser humano, totalitário e intolerante. Novas leis e projetos de lei, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, procuram abolir os símbolos e extinguir as datas religiosas, introduzem a união civil entre pessoas do mesmo sexo, inclusive com possibilidade de adoção, e o aborto indiscriminado, sob o discurso dos “direitos humanos”, ou do “politicamente correto”. No Brasil, temos projeto de Lei que prevê prisão para quem expressar divergência em relação à “normalidade” do homossexualismo.

Diante do fanatismo religioso teocrático e do pseudo-laicismo secularista, a Igreja ainda não acordou para um novo período de perseguição religiosa que se avizinha. Na teologia da prosperidade não há lugar para martírio. Alguns convivem com uma tentação teocrática protestante, resultado do crescimento evangélico na América Latina. Estamos fragilizados, porque entristecemos o Espírito Santo, pecando contra a verdade, com as heresias, contra a unidade, com o divisionismo, e contra a santidade, com os trambiques de todo tipo. Carecemos de tomada de consciência, de arrependimento e do exercício responsável da cidadania, como sal e luz, pagando o preço do discipulado.

• Robinson Cavalcanti é bispo anglicano do Recife – www.dar.org.br

  1. @tonaxco
    março 3, 2010 às 2:03 pm

    Negue a si mesmo, pegue sua cruz e siga-me. Será que estamos preparados para morrer pelo Cristo que cremos? ou a prosperidade não vai deixar isso acontecer ??

  2. Sandro Lourenço.
    março 4, 2010 às 12:28 pm

    Avisos e advertências crescentes à igreja no ocidente e em especial para nós no Brasil.

    Senhor, ajuda a nossa fé para não desfalecermos e permanecermos de pé diante da Tua Face.

    Sandro Lourenço.

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